segunda-feira, 19 de outubro de 2009

esse é o grande poeta manoel de barros

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

(manoel de barros)

domingo, 11 de outubro de 2009

A RÃ E O ESCORPIÃO


a historia a seguir é , sem duvida, a mais famosa que a tradição africana nos legou.
muitos lembram que orson welles a contava no seu filme mr. arkadin.

um escorpião , que desejava atravessar um rio , disse a rã :
-me carregue nas costas até o outro lado.
-eu, carregar voce nas costas?-respondeu a rã -de jeito nenhum !
conheço-o bem , se eu te levar nas costas voce vai me picar e vai me matar!

-não seja estupida!-disse o escorpião-se eu a picar voce vai parar no fundo do rio,
e eu, que não sei nadar, vou acabar me afogando!

por um momento os dois continuaram a repisar seus argumentos,
e o escorpião mostrou-se tão persuasivo que a rã aceitou leva-lo nas costas
até o outro lado do rio.

ela o colocou sobre suas costas escorregadias , onde ele se agarrou, e eles começaram a travessia.

quando chegaram no meio do amplo rio o escorpião de repente picou a rã.
esta sentiu o veneno fatal se espalhar pelo seu corpo, e enquanto afundava e arrastava
consigo o escorpião para o fundo , ela lhe gritou:

-esta vendo ? eu tinha falado! porque fez isso ? o que deu em voce ?
-desculpe ! não pude evitar-disse o escorpião antes de afundar junto com a rã-
é a minha natureza.




(fragmento do livro -"o circulo dos mentirosos"-de jean claude carriére)













segunda-feira, 5 de outubro de 2009

e a nave , vai ?

barco á deriva.
o timoneiro cego
e boquirroto
dá as ordens

sem rações.

clandestinos
e mercenarios
sabotam operações.
há muitos ratos a bordo.

o comandante desnorteado
não sabe onde é o leme.

indica o leste
e grita:- terra á vista.
mas vende a prestações.

a carne é pouca
o tempo curto.
as bocas são muitas e vorazes.

e la vão todos.
mestres que enjoam em terra,
percadores de aguas turvas.

o imediato é da esquadra inimiga.
todos porém no mesmo barco.
marinheiros de ultima viagem
em direção ao fundo.

no porão, escravos.
em volta, tubarões.

a bússola , que norteia
aponta o sul.



(erico verissimo)